segunda-feira, 2 de abril de 2007

Casa da Criança: um lar para quem não tem
21/03/2005 17:57
por Sâmia Menezes

Foto: Sâmia Menezes
Berçário do novo Lar

Questionado se deseja mudar de casa, Reginaldo, 11 anos, faz um olhar faceiro e diz com exatidão que não. Mas, quando a pergunta é sobre a vontade de ser adotado, uma nova feição toma conta do rosto e, com olhar cabisbaixo e em tom de voz muito suave, ele mexe a cabeça em sinal de sim.

Reginaldo é uma das 37 crianças que atualmente vivem no Lar Maria João de Deus, criado e mantido pelo Governo do Piauí. Como ele, outras dez crianças estão disponíveis para adoção. "Não gosto de dormir sozinho", diz ele, destacando o que mais valoriza na Casa: a companhia dos amigos que, como ele, também foram abandonados.


Início da reforma

Funcionando há 30 anos, o Lar acaba de concluir sua primeira grande reforma através do projeto Casa da Criança. "Está um sonho", diziam todos que por lá passaram no dia da sua inauguração.

A obra, que ainda não foi vista pelas crianças atendidas, parece realmente inspirada nos sonhos de todas elas. Em cada espaço, uma demonstração do carinho e da solidariedade que envolveu todo o projeto. Sessenta e três arquitetos piauienses participaram, com o apoio de mais de 20 patrocinadores. "As pessoas não sentiam a dimensão do projeto, pois doar sem ver o resultado é muito difícil", conta a decoradora Adélia Ibiapina, que idealizou o projeto da parte administrativa do Lar.

Para ela, essa experiência foi gratificante. "Acabei me envolvendo muito no projeto, e isso faz uma diferença grande por conta do carinho e da dedicação. Sentimos que o resultado é melhor", declara ela, que fez questão de conhecer as crianças antes de iniciar o projeto.

"Fiz como se fosse para os meus próprios filhos", afirma a decoradora Raimunda Lacerda, que, em parceria com Ana Raulino, ficou responsável pelo berçário. "Estamos precisando ainda de um ar-condicionado, de uma costureira que faça os protetores do berçário, mais dois ventiladores e produtos para higiene", acrescenta.

Uma dura realidade


Nova sede totalmente reformada

Destinado a atender crianças de 0 a 12 anos, o Lar Maria João de Deus conta com adolescentes de até 18 anos em condição especial. O mais novo é um bebê de apenas dois meses.

Lá, vivem crianças em diferentes situações. Algumas para adoção, outras em processo de destituição e, ainda, aquelas que estão apenas temporariamente até que os problemas em família sejam resolvidos. Ariele, por exemplo, de 10 anos, diz que sente muita saudade dos irmãos, mas não quer voltar para casa.

Outros três irmãos também estão no Lar, mas não para adoção. "A família tem problemas, mas o pai sempre vem visitá-los", diz Joelma Moraes, supervisora administrativa do Lar.

Oriundas de diferentes famílias e de diferentes realidades, elas dividem não apenas o espaço, mas a vida, os desejos, as expectativas e, também, um pouco de solidão.

Tia Beliza

Desde o início da reforma, em agosto do ano passado, as crianças atendidas pelo Lar Maria João de Deus estão na Creche Tia Beliza, no bairro São Pedro. Elas estão divididas em duas turmas: uma que estuda pela manhã e, a outra, à tarde.

Uma visita à creche é um tanto melancólica. Crianças portadoras de necessidades especiais dividem o pequeno espaço provisório com as que fazem o dever de casa. As condições não são das melhores. E elas nem imaginam o que as esperam. "Estou muito ansiosa para voltar para a outra casa. Espero que tenha muitos brinquedos", afirma Francisca Patrícia, 12 anos, que quer ser médica pediatra.


Eles terão também uma sala de leitura

A rotina não é fácil. Enquanto uns fazem a tarefa de casa, na companhia de três professoras, outros, muito ativos, querem brincar e assistir televisão. "Oferecemos a eles uma vida normal. Eles vão à escola, quando necessário, ao médico, têm reforço, brincadeiras, aulas de dança e natação, festa de aniversário bimestralmente e passeios", declara a coordenadora do Lar, Socorro Solano.

Uma equipe de 76 funcionários e mais 10 voluntários permanentes ajudam a manter a casa. "Muitas vezes a gente se apega muito à criança. No início, quando elas iam embora, eu chorava muito. Agora, não. Compreendi que isso é o melhor para elas", diz Maria Parente, funcionária do Lar há 13 anos.

Ela mesma já quis adotar uma criança, mas na época a lei não permitia que funcionários adotassem. Hoje, ela é madrinha do menino. "Hoje, tenho uma menina que também é adotada. Essa eu peguei na Maternidade", conta.

Segundo Maria Parente, várias crianças já foram para o exterior, em especial Suíça e França. "Mas, esse tipo de adoção foi suspensa depois que surgiu a história que muitas crianças brasileiras adotadas para famílias de lá tinham seus órgãos retirados", observa.

Pouca opção para doação

Muita procura, mas pouca opção. Essa é a realidade do Lar Maria João de Deus quando se fala em adoção. Isso, porque há uma preferência por crianças de 0 a 2 anos e, as da Casa, já estão acima dessa faixa etária. "Ficamos com as crianças até os 12 anos, com algumas exceções, que são os casos daquelas portadoras de necessidades especiais. A Casa Dom Barreto, mantida pelo Instituto Dom Barreto, tem sido parceira e, muitas vezes, recebe aquelas que não conseguiram ser adotadas", explica Socorro Solano, a coordenadora.


Capacidade agora para 60 crianças

Com a reforma, o Lar da Criança terá capacidade para atender 60 crianças de 0 a 12 anos, incluindo as portadoras de necessidades especiais.

No novo espaço, elas contarão com brinquedoteca, área externa de lazer, sala de televisão, alojamentos separados por sexo e idade, berçário, dentre outros. Tudo muito colorido. "O combustível de cada um dos profissionais foi o amor. As crianças atendidas aqui são a causa de tudo", declara, emocionada, a arquiteta Ivna Gadêlha.

O retorno das crianças ao Lar está marcado para o dia 3 de abril. Enquanto isso, ele fica aberto à visitação.


Um projeto especial

O Projeto CASA DA CRIANÇA tem como missão proporcionar melhor qualidade de vida às crianças socialmente desfavorecidas do Brasil, mobilizando profissionais da área da construção e decoração. O objetivo é transformar espaços de acolhimento em creches, abrigos de crianças abandonadas, órfãs e adolescentes e em unidades de atendimento a crianças com câncer.

As atividades do Projeto Casa da Criança foram iniciadas em 1999, beneficiando instituições nas cidades de Fortaleza-CE, Natal-RN, Recife-PE, Maceió-AL, Aracaju-SE, Salvador-BA, São Paulo-SP, Jundiaí-SP, Goiânia-GO, Cuiabá-MT, Teresina-PI e Brasília-DF.

No trabalho realizado em todas as cidades por onde passou, o Projeto contabiliza a participação de mais de 2 mil arquitetos e decorados, 700 construtoras e 15 mil empresas colaboradoras.

Em Recife, está sediada a coordenação nacional do Projeto CASA DA CRIANÇA, que conta com o apoio de empresas que investem com recurso para custear as despesas administrativas e de mobilização para atuar em diferentes regiões do País, a exemplo dos Parceiros Máster's NASSAU e Instituto Ronald MacDonald; da AVINA, que apóia o programa de avaliação nas unidades já reformadas; e de alguns colaboradores, como a BRASILT e a BMF.

Fonte: www.casadacrianca.com.br

Saiba mais sobre adoção:

A adoção de criança e de adolescente é regida pelas disposições da Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente:

- Podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente de estado civil. O adotado deve contar com no máximo 18 anos à data do pedido, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotandos.

- O adotante há de ser , pelo menos 16 anos mais velho que o adotando;

- A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado 21 anos de idade, comprovada a estabilidade da família;

- Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal;

- A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos;

- A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.